"Tenta sim.
Vai ficar lindo."
Foi assim que
decidi, por livre e espontânea pressão de amigas, me render à depilação na
virilha. Falaram que eu ia me sentir “dez quilos mais leve.”
Mas acho que
pentelho não pesa tanto assim. Disseram que meu namorado ia amar que eu nunca
mais ia querer outra coisa. Eu imaginava que ia doer, porque elas ao menos me
avisaram que isso aconteceria. Mas não esperava que por trás disso, e bota por
trás nisso, havia toda uma indústria pornô-ginecológica-estética.
- Oi, queria
marcar depilação com a Penélope.
- Vai depilar o
quê?
- Virilha.
- Normal ou
cavada?
Parei aí. Eu lá
sabia o que seria uma virilha cavada. Mas já que era pra fazer, quis fazer
direito.
- Cavada mesmo.
- Amanhã, às...
Deixa eu ver...13h?
- Ok. Marcado.
Chegou o dia em
que perderia dez quilos. Almocei coisas leves, porque sabia lá o que me
esperava, coloquei roupas bonitas, assim, pra ficar chique. Escolhi uma
calcinha apresentável. E lá fui.
Assim que
cheguei, Penélope estava esperando. Moça alta, mulata, bonitona.
Oba! Vou ficar
que nem ela, legal! Pediu que eu a seguisse até o local onde o ritual seria
realizado.
Saímos da sala
de espera e logo entrei num longo corredor. De um lado a parede e do outro,
várias cortinas brancas. Por trás delas ouvia gemidos, gritos, conversas.
Uma mistura de
Calígula com O Albergue. Já senti um frio na barriga ali mesmo, sem desabotoar
nem um botão. Eis que chegamos ao nosso cantinho: uma maca, cercada de
cortinas.
- Querida, pode
deitar.
Tirei a calça e,
timidamente, fiquei lá estirada de calcinha na maca.
Mas a Penélope
mal olhou pra mim. Virou de costas e ficou de frente pra uma mesinha. Ali
estavam os aparelhos de tortura. Vi coisas estranhas.
Uma panela, uma
máquina de cortar cabelo, uma pinça. Meu Deus, era
O Albergue
mesmo. De repente ela vem com um barbante na mão. Fingi que era natural e sabia
o que ela faria com aquilo, mas fiquei surpresa quando ela passou a cordinha
pelas laterais da calcinha e a amarrou bem forte.
- Quer bem
cavada?
- é... é, isso!!?
Penélope então
deixou a calcinha tampando apenas uma fina faixa da Abigail, nome carinhoso de
meu órgão - esqueci-me de apresentar antes.
- Os pêlos estão
altos demais. Vou cortar um pouco senão vai doer mais ainda.
- Ah, sim,
claro.
Claro nada, não
entendia porra nenhuma do que ela fazia. Mas confiei. De repente, ela volta da
mesinha de tortura com uma espátula melada de um líquido viscoso e quente (via
pela fumaça).
- Pode abrir as
pernas.
- Assim?
- Não, querida.
Que nem borboleta, sabe? Dobra os joelhos e depois joga cada perna pra um lado.
- Arreganhada,
né?
Ela riu. Que
situação. E então, Pê passou a primeira camada de cera quente em minha virilha
Virgem. Gostoso, quentinho, agradável. Até a hora de puxar.
Foi rápido e
fatal. Achei que toda a pele de meu corpo tivesse saído que apenas minha ossada
havia sobrado na maca. Não tive coragem de olhar.
Achei que havia
sangue jorrando até o teto. Até procurei minha bolsa com os olhos, já cogitando
a possibilidade de ligar para o SAMU. Tudo isso buscando me concentrar em minha
expressão, para fingir que era tudo supernatural.
Penélope
perguntou se estava tudo bem quando me notou roxa. Havia me esquecido de
respirar. Tinha medo de que doesse mais.
- Tudo ótimo. E
você?
Ela riu de novo
como quem pensa "que garota estranha". Mas deve ter aprendido a ser
simpática para manter clientes. O processo medieval continuou. A cada puxada eu
tinha vontade de espancar Penélope.
Lembrava de
minhas amigas recomendando a depilação e imaginava que era tudo uma grande
sacanagem, só pra me fazer sofrer.
Todas recomendam
a todos porque se cansam de sofrer sozinhas.
- Quer que tire
dos lábios?
- Não, eu quero
só virilha, bigode não.
- Não, querida,
os lábios dela aqui ó.
Não, não, pára
tudo. Depilar os tais grandes lábios ? - Putz, que ideia - Mas topei. Quem está
na maca tem que se fuder mesmo.
- Ah, arranca
aí. Faz isso valer a pena, por favor.
Não bastasse
minha condição, a depiladora do lado invade o “cafofinho” de Penélope e dá uma
conferida na Abigail.
- Olha! Tá
ficando linda essa depilação!
- Menina, mas tá
cheio de encravado aqui. Olha de perto.
Se tivesse
sobrado algum pentelhinho, ele teria balançado com a respiração das duas.
Estavam bem perto dali. Cerrei os olhos e pedi que fosse um pesadelo. "Me
leva daqui, Deus, me teletransporta".
Só voltei a
terra quando, entre uns “blábláblás”, ouvi a palavra pinça.
- Vou dar uma
pinçada aqui porque ficou um pelinhos, tá?
- Pode pinçar tá
tudo dormente mesmo, não estou sentindo nada!
Estava enganada.
Senti cada picadinha daquela pinça filha da mãe arrancar cabelinhos resistentes
da pele já dolorida. E quis matá-la.
Mas mal sabia
que o motivo para isso ainda estava por vir.
- Vamos ficar de
lado agora?
- Hein?
- Deitar de lado
pra fazer a parte cavada.
Pior não podia
ficar. Obedeci à Penélope. Deitei de ladinho e fiquei esperando novas ordens.
- Segura sua
bunda aqui?
- Hein?
- Essa banda
aqui de cima, puxe-a pra afastá-la da outra!
Tive vontade de
chorar. Eu não podia ver o que Pê via. Mas ela estava De cara para ele, o olho
que nada vê. Quantos haviam visto, à luz do dia, aquela cena? Nem minha
ginecologista. Quis chorar, gritar, peidar na cara dela, como se pudesse
envenená-la. Fiquei pensando nela acordando à noite com um pesadelo. O marido
perguntaria:
- Tudo bem, Pê?
- Sim... Sonhei
de novo com o cu de uma cliente.
Mas de repente
fui novamente trazida para a realidade. Senti o aconchego falso da cera quente
besuntando meu “Twin Peaks” (orotimbó, olho de porco, furico e demais alcunhas).
Não sabia se
ficava com mais medo da puxada ou com vergonha da situação. Sei que ela deve
ver mil cús por dia. Aliás, isso até alivia minha situação. Por que ela
lembraria justamente do meu entre tantos? E aí me veio o pensamento: “peraí”,
mas tem cabelo lá? Fui impedida de desfiar o questionamento. Pê puxou a cera.
Achei que a
bunda tivesse ido toda embora. Num puxão só, Pê arrancou qualquer coisa que
tivesse ali. Com certeza não havia nem uma preguinha pra contar a história
mais. Mordia o travesseiro e grunhia ao mesmo tempo.
Sons guturais,
xingamentos, preces, tudo junto.
- Vira agora do
outro lado.
Porra!!.. Porquê
não arrancou tudo de uma vez? Virei e segurei novamente a bandinha. E então,
piora. A DESGRAÇADA da salinha do lado novamente abre a cortina.
- Penélope,
empresta um chumaço de algodão?
Apenas uma
lágrima solitária escorreu de meus olhos. Era dor demais, vergonha demais.
Aquilo não fazia sentido. Estava me depilando pra quem?
Ninguém ia ver
meu “asterisco” tão de perto daquele jeito. Só mesmo Penélope. E agora a
vizinha inconveniente.
- Terminamos.
Pode virar que vou passar maquininha.
- Máquina de
quê?!
- Pra deixar ela
com o pêlo baixinho, que nem campo de futebol.
- Dói?
- Dói nada.
- Tá, passa essa
merda...
- Baixa a
calcinha, por favor.
Foram dois
segundos de choque extremo. Baixe a calcinha, como alguém fala isso sem antes
pegar no peitinho? Mas o choque foi substituído por uma total redenção. Ela viu
tudo, da perereca ao cu. O que seria baixar a calcinha? E essa parte não doeu
mesmo, foi até bem agradável.
- Prontinha.
Posso passar um talco?
- Pode, vai lá,
deixa a bicha grisalha.
- Tá linda! Pode
namorar muito agora.
Namorar...namorar?
Eu estava com sede de vingança. Até
admito que o resultado é bonito, lisinho,
sedoso. Mas doía e incomodava demais.
Queria matar
minhas amigas. Queria virar feminista, morrer peluda, protestar contra isso.
Queria fazer
passeatas, criar uma lei “anti-depilação” cavada.